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Covid-19: reflexões classistas sobre a epidemia no Brasil

Atualizado: 5 de mai. de 2020

Wagner Cardoso Jardim[1]


Em fins de dezembro de 2019, o governo chinês comunicou à Organização Mundial da Saúde – OMS, o surgimento de um novo corona-vírus, que vinha acometendo cidadãos da província de Wuhan. Os sintomas eram de pneumonia e o quadro se agravava muito rapidamente. No Brasil, o Ministério da Saúde, então comandado por Luiz Henrique Mandetta, comunicou oficialmente, em 26 de fevereiro, o primeiro caso de Covid-19. Análises posteriores mostraram que o caso 01 era, na verdade, de final de janeiro, ou seja, uma janela de contaminação imensa, sem maiores precauções. Em 17 de março, a primeira morte decorrente de infecção pelo novo corona vírus foi anunciada.

Desde o início da pandemia, que se alastra por praticamente todos os confins do planeta, já morreram quase 250 mil pessoas, com grande destaque para os Estados Unidos [67,7 mil mortes, aproximadamente]; Itália, [28,9 mil]; Reino Unido [28,5 mil]; Espanha [25,3 mil]; França [24,9 mil]; Bulgária [7,9 mil] e o Brasil [7 mil]. Em todos esses países, exceto nos Estados Unidos e no Brasil, o ritmo, tanto de contaminação, quanto de mortes está caindo semana após semana.

No Brasil, os casos confirmados de contaminação já ultrapassam os cem mil. São Paulo continua sendo o epicentro nacional, mas outros estados das regiões Norte e Nordeste, tem registrado grande aumento de casos e de mortes. Os dados oficiais do Ministério da Saúde apontam – em 4 de maio – a morte de 7.288 pessoas pelo novo corona vírus, no país. São Paulo registra 2.654 mortes; Rio de Janeiro, 1.065; Pernambuco, 691; Ceará, 691; Amazonas, 585, Pará, 330. A região Sul, foi, devido às políticas de isolamento, até agora, pouco afetada. O Paraná registra 94 mortes; o Rio Grande do Sul, 74 e Santa Catarina, 52. No entanto, é preciso salientar que o inverno, que iniciará em breve, costuma ser rigoroso nessa região.

Da Casa Grande à periferia

Sabe-se que o primeiro caso de brasileiro contaminado por COVID-19 – oficialmente – foi de um homem de 61 anos que viajara a trabalho para a Itália entre 9 e 21 de fevereiro de 2020. Em seguida, os números de infectados no Brasil conheceram grande salto. O que eles tinham em comum? A maioria fora trazida de fora do país, em especial da Itália, que conhecia aumento exponencial da contaminação. Em 16 de março, um dia antes do registro da primeira morte, o Brasil já contava com mais de 230 casos de infecção. A taxa de mortalidade no início da pandemia se manteve baixo enquanto o grau de contaminação da população e a necessidade de internação em UTIs era menor. As primeiras mortes, inclusive, foram de pessoas idosas, algumas com histórico de doenças pré-existentes: Em São Paulo, o primeiro óbito foi de homem de 61 anos; no Rio de Janeiro, mulher de 63 anos, diabética e hipertensa; em Pernambuco, a primeira vítima foi um homem de 85 anos, hipertenso; no Ceará, um idoso de 85 anos, com hipertensão; no Amazonas, a primeira morte foi de um homem de 49 anos, com histórico de hipertensão; no Pará, uma senhora de 87 anos, acamada há mais de 12 meses. Realidade que conhecera profunda alteração nas semanas seguintes.

O caso da primeira morte no Rio de Janeiro – em 19 de março - é o mais emblemático no que diz respeito ao caráter de classe que a epidemia assumiu nos últimos meses. Uma trabalhadora doméstica foi infectada na casa onde trabalhava e, na qual a patroa havia chegado há pouco da Itália. No final de abril, quando o número de mortos era, em torno de 4 mil, o perfil dos mortos, no Brasil, era o seguinte: 72% maiores de 60 anos; 60% de homens e 70 % com algum fator de risco. Desses, a maioria dos setores mais empobrecidos da população. O número de mortos entre a classe trabalhadora é maior e isso tem uma razão simples, a necessidade de sair de casa para prover o sustento da família. A esmola que o governo brasileiro chamou de Auxílio Emergencial, começou a ser paga apenas na última semana de abril, quando já eram milhares as mortes. Apesar das medidas para intensificar o isolamento social, praticadas por grande parte dos governadores, em contraste com as desvairadas iniciativas de Bolsonaro, a classe trabalhadora brasileira vive há anos, desde praticamente o fim do “milagre petista” em profunda miséria. A crise financeira do Capitalismo internacional degradou ainda mais a pífia participação do Brasil na economia mundial, o que ensejou movimento geral de depressão dos já, relativamente, baixos salários do trabalhador brasileiro e assim garantir a manutenção das taxas de lucro dos capitalistas. O país vive o auge do processo de desindustrialização e amarga as agruras da periferia capitalista.

Grande parta da classe média, sobretudo funcionários públicos, podem ficar em casa prezando pela própria saúde e dos seus, mesmo que vejam ao longe seus direitos surrupiados pelo Congresso; assim como a classe proprietária, que, apesar de exigir do governo desvairado a reabertura do comércio do país, não arrisca mais do que sair em carreatas verde e amarela, sem pisar fora do seus carrões milionários; à classe trabalhadora resta a histórica luta pela sobrevivência, pelo pão de cada dia. Nos grandes centros urbanos, centenas de trabalhadores andam horas apinhados em ônibus, lotações, trens e metrôs lotados até chegar aos seus locais de trabalho, onde permanecem, invariavelmente, até o fim do dia, quando a maratona de volta é iniciada, chegando em casa tarde da noite, cansados e com a saúde debilitada.

COVID-19 e a periferia

Não raro, como no caso da empregada doméstica carioca, essas trabalhadoras se arriscam no trajeto e no local de trabalho, mais insalubre do que nunca. Em muitos casos, muitas dessas trabalhadoras foram dispensadas pelas “madames”, sem ao menos receberem o mínimo para a sobrevivência nos dias de quarentena. Nas comunidades, país a fora, milhares de trabalhadores/as contam apenas com a solidariedade da própria classe trabalhadora que divide o pouco que tem com que nada possui. Algumas ONGs e organizações sociais, como a CUFA – Central Única das Favelas, tem feito arrecadações e doações à essas famílias, nas periferias do país todo. Não seriam poucos também os aproveitadores que, de olho nas eleições municipais deste ano, praticam uma troca tácita ou mesmo explícita de cestas básicas e outros gêneros por voto.

Na cidade de São Paulo – mais de 12 milhões de habitantes – em meados da metade de março, o perfil das mortes e das suspeitas de mortes por corona vírus, mostra que a maioria das mortes suspeitas eram da periferia e as confirmadas, da zona central. Isso indica que as mortes nas regiões centrais tiveram preferência de análise em relação às franjas da cidade. Nas favelas do Rio de Janeiro, onde moram cerca de 1,4 milhões de pessoas, onde o Estado não chega a não ser de arma na mão, onde as condições sanitárias são aterrorizantes, os casos de infecção têm aumentado nas últimas semanas, apesar da gigantesca subnotificação.

Na Rocinha, em Vigário Geral, no Complexo da Maré, na Cidade de Deus, no Vidigal, no Complexo de Manguinhos, entre outras teriam morrido até fins de abril, quase duzentas pessoas. Esses números podem ser potencialmente elevados se conhecermos os números, mesmo os oficiais, das quase 700 comunidades cariocas. No Norte e Nordeste do Brasil, onde, em geral, as realidades da classe trabalhadora são mais precárias em relação à do sul-sudeste, os hospitais – quando existem – estão superlotados e diariamente dezenas de pessoas, morrem sem ter atendimento adequado, muitos nos corredores, em leitos improvisadas ou mesmo no chão. Nos cemitérios, há filas para sepultamentos.

A realidade das periferias brasileiras não é homogênea. Apesar de haver regiões que, mesmo longe de permitirem uma vida socialmente digna à comunidade, se apresentam em condições muito melhores que outras. De norte a sul do Brasil, são cerca de 30 milhões de pessoas que desconhecem saneamento básico, água potável, recolhimento regular de resíduos e, mesmo, casa digna para abrigar a família. Realidade potencializada com a crise que deixou milhões de desempregados. Não é apenas informação que falta. O déficit é, principalmente material.

O vírus trazido “na mala” da classe endinheirada, que passava férias na Europa, está disseminado nas periferias do Brasil. Não esperemos qualquer demonstração de solidariedade da burguesia pelo nosso sofrimento. Aos setores operários e populares só resta a luta. Luta esta que não é contra o vírus biológico, mas contra o vírus sociológico, histórico, chamado classe burguesa. Já. As correntes que nos amarram precisam da força coletiva da classe trabalhadora para serem rompidas. Enquanto isso, Bolsonaro brinca de ser milico presidente, desdenha do sofrimento de milhares de brasileiros. É hora de dar um basta! É hora de construir uma Greve Geral contra a irracionalidade burguesa! É hora do Fora Bolsonaro, Fora Mourão e militares nos quartéis. Eleições Gerais.

[1] Historiador e professor na rede pública, Rio Grande do Sul. Membro do Grupo de Estudos Marxistas Fronteira Vermelha.


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