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Movimentos evangélicos, classe trabalhadora e política[1] (PARTE II)[2]



Em 2018, quando da candidatura de Jair Bolsonaro à presidência, mais especificamente no segundo turno, no embate contra Hadadd, houve campanhas massivas nas igrejas evangélicas de todo o país pelo voto em Bolsonaro. Os cultos evangélicos passaram a ser praticamente diários e, em vez de mensagens sobre a bíblia, falas efusivas sobre política, corrupção, família tradicional que concluíam com os pastores praticamente exigindo voto em Bolsonaro. Nos estados, ocorreu o mesmo. Aqueles partidos/igrejas que no primeiro turno tinham apoiado outros candidatos liberais ou com candidatura própria, entraram de vez no barco bolsonarista.

Até as eleições de 2018, faltava à oligarquia fundamentalista uma figura que materializasse seus anseios e tivesse popularidade o suficiente para disputar seriamente uma eleição, o que já haviam tentado com Collor, em 1989. Bolsonaro preencheu o vazio político desse setor. Essa não fora a primeira a vez que os evangélicos abraçavam uma candidatura, agora não própria. O PSC, por exemplo, lança há anos, o pastor Eimael. Como não foi possível com um político evangélico da gema, eles queriam, sim, fazer parte do jogo político. Entravam não mais pela porta da frente, mas forçando uma janelinha lateral. Apoios desse tipo vêm, em geral, em troca de nomeações em cargos no governo, que, por sua vez, vão dar visibilidade ao indicado para se lançar candidato em futuros pleitos. Assim, as igrejas/partidos favoreceram o bolsonarismo e este lhes favorece, num movimento recíproco.

Este processo, ocorre com a pseudo-participação da massa de fiéis. Fiéis esses, na grande maioria, pertencentes à classe trabalhadora, que são levados a endossar um projeto político de ataque aos trabalhadores. A massa é utilizada para criar as igrejas, criar os partidos, mas é alienada deles. A moral cristã é vendida como principal bandeira, uma vez que eles não podem revelar o seu programa às massas, porque é um programa de ataque, de privatizações, de rebaixamento dos salários... É mais fácil usar um discurso anti-corrupção, anti-comunismo...

Os evangélicos são uma das principais bases de apoio desse governo. Não à toa, mesmo após as eleições, ele continuou próximo dessa base, inclusive nomeando cargos importantes dentre os evangélicos. Bolsonaro não teve problemas nenhum em dizer que o próximo indicado do STF seria uma pessoa “terrivelmente evangélica”. O novo Ministro da Educação, não empossado, Carlos Decotelli, é evangélico e agradou bastante o setor. No seu lugar, foi alçado o pastor Milton Ribeiro, arvorado muito mais por sua face ultraliberal, do que qualquer outra coisa. O MEC é há muito tempo uma pasta desejada pelos conservadores. Na campanha, uma campanha ferrenha foi levantada contra o Ministério, pela pseudo distribuição do Kit Gay.

Em 2015, em discurso numa das marchas para Jesus, Silas Malafaia bradava que o Estado até poderia ser laico, mas não era Ateu. No Brasil, o Estado não é nem uma coisa, nem outra. O Estado é burguês e, por isso, é a expressão da classe burguesa brasileira e de suas ideologias. A religião é instrumento burguês de dominação de classes. Estado e religião se apoiam reciprocamente. Nas repartições públicas de todo o país, desde escolas até tribunais, são inúmeras as demonstrações de ligações entre Estado e religião: crucifixos nas paredes, imagens de santos, nomes de logradouros e prédios públicos, aulas de ensino religioso, etc. A separação entre Igreja e Estado, aliás, é uma pauta burguesa. Lembram da revolução Francesa...

Já em 1905, Lênin escrevia o Socialismo e a religião propondo total separação entre a igreja e o Estado. O revolucionário russo defendeu que: “A religião deve ser assunto privado para o Estado.” Isso não significa que o fosse para o partido. Naquele então, quando da possibilidade da implementação de um Estado proletário da Rússia, Lênin propunha, inclusive, que os socialistas oferecessem apoio aos religiosos, perseguidos pela burocracia tzarista, desde que assumissem o compromisso com a separação entre religião e Estado.

Lênin também entendia que não se devesse proibir de entrar no partido quem fosse crente. Isso, faria elevar a discussão da religião a primeiro plano, o que seria terrível à luta proletária. Seria desviar a atenção de parte do proletariado para a questão da religião. A experiência material da luta de classes é que deve ensinar as massas. Isso, é claro com muita teoria revolucionária.

A questão hoje, difere bastante da realidade conhecida por Lênin. As igrejas neopentecostais realizam verdadeiro saque à classe trabalhadora. São verdadeiros mercadores. Mercadores não só da fé. O que eles oferecem aos fiéis é algo mais materializável do que a fé: emprego, bens materiais, cura... São mercadores de produtos valiosíssimos, que eles não possuem.

Algumas igrejas evangélicas se confundem com organizações criminosas. Existem milícias religiosas que controlam tráfico de drogas, roubo de cargas e lavam o dinheiro nas igrejas. Dinheiro esse que é utilizado também para financiar campanhas políticas. (Filme Capital da Fé) Quem não lembra, no Rio de Janeiro, os milicianos evangélicos que punham fogo em terreiros de umbanda. Então a Ética protestante desses grupos se confunde com o espírito do capitalismo, lucro acima de tudo.

No parlamento...

Em inícios de 2020, a Frente Parlamentar evangélica na Câmara dos deputados chegava a uns 195 deputados. O que ocorre é que nem todos são da bancada evangélica, composta por parlamentares com ligações orgânicas com igrejas e líderes religiosos. Os demais, são signatários, às vezes por troca e favores, para a composição da frente. No início do ano, o tamanho da bancada genuinamente evangélica seria de uns 107 parlamentares. A composição varia um pouco em função da rotatividade que dá lugar à assunção de suplentes que podem ou não ser evangélico.

O grande objetivo dos próprios parlamentares, mas, sobretudo de líderes evangélicos das grandes igrejas do país, é elevar e muito essa presença no legislativo. A bancada evangélica na Câmara é 21% do total de deputados, enquanto no Senado, é 18%. A estimativa é de que o número de evangélicos no Brasil se aproxime dos 70 milhões, o que daria em torno de 30% da população brasileira. Assim, no cálculo da bancada, ainda teria margem para aumentar sua participação.

A bancada evangélica é uma das principais bases de sustentação de Jair Bolsonaro na Câmara. O então candidato Bolsonaro, que até então não tinha um discurso voltado aos setores evangélicos, mas aos setores conservadoras em geral da sociedade brasileira, passou a flertar com ele. A aproximação a importante líderes religiosos, como Magno Malta, Silas Malafaia e Edir Macedo o tornou o nome favorito nas eleições das fake news de 2018, em especial no segundo turno. A história se repetiu como tragédia. Assim como em 1989, Edir Macedo e cia, que mantiveram seus privilégios relativos durante os governos do PT, entraram de cabeça usando institucionalmente a Universal e, agora, a TV Record para eleger o presidente.

Nos meandros das alianças políticas, as bandeiras religiosas, especificamente, são deixadas de lado. No final de contas o que vale é o jogo de poder. Até mesmo rivalidades históricas entre pentecostais e católicos são jogadas para segundo plano. Exemplo mais claro disso é o apoio evangélico ao próprio Bolsonaro, católico, que até se batizou com evangélico antes das eleições, para atrair uma parcela de fiéis ainda reticente com sua orientação religiosa.

Há em curso, um plano de poder pautado no fundamentalismo religioso e liderado por Edir Macedo. Plano esse que não é segredo, uma vez que está estampado no livro “Plano de poder: Deus, os cristãos e a política”, do próprio dono da Universal em coautoria com Carlos Oliveira.

Esse plano de poder, que avançou largos passos com a eleição fraudulenta de Bolsonaro tem que ser entendido como parte da política imperialista para a América Latina. Bolsonaro e seus asseclas religiosos são capachos do capital, capachos dos Estados Unidos. Desde 2008, mesmo ano do lançamento do livro de Edir Macedo, os Estados Unidos, no contexto da nova crise capitalista, voltaram-se com gana sobre as frágeis democracias sul-americanas, promovendo golpes de estado para sacar do poder governantes que já não serviam mais.

Em 2019, foi a vez da Bolívia. Após vencer as eleições, Evo Morales enfrentou ataques coordenados de dentro e de fora do país, com o mote de que as eleições foram fraudadas. Após adesão das forças armadas ao golpismo, Evo renunciou. Fernando Camacho, político oposicionista, derrotado, entrou no palácio do governo portando uma bíblia e prometendo levar deus novamente ao governo da Bolívia.

Nesse episódio terrível para o conjunto da classe trabalhadora sul-americana, em geral, e boliviana, em particular, teve o apoio direto de igrejas evangélicas brasileiras, como denunciou o bispo evangélico Hermes Fernandes da comunidade evangélica Reina, do Rio de Janeiro e também o jornal boliviano El periódico que publicou áudios vazados de conversa da oposição golpista daquele país afirmando que tinham apoio de Bolsonaro e de igrejas evangélicas brasileiras.

Nesse sentido, o Bolsonaro não caiu de paraquedas no governo. Ele é parte do projeto hegemônico da capital financeiro internacional em especial do capital estadunidense.

Como a justiça burguesa não serve para atender as demandas do conjunto da sociedade, mas de uma parcela. Há anos, políticos usam e abusam da fé das pessoas para se beneficiar. Verdadeiro abuso de poder político nas igrejas. Recém essa semana, dia 25 de junho, o STF começou a votar a perda de mandato para político que utilizar do poder das igrejas para se beneficiar nas eleições. Um pouco tarde, não! O domínio das igrejas evangélicas sobre os aparatos da política burguesa é irreversível.

Conclusão:

O que temos visto até agora na sociedade burguesa é que os sacerdotes, além de pregarem a mansidão para os trabalhadores, fazendo com que eles aceitem tranquilamente o jugo da opressão capitalista, atacam igualmente os partidos revolucionários, que são as ferramentas da classe trabalhadora na luta de classes. Na nossa época, além desses dois fatores, existem ainda a participação direta dos religiosos para desiquilibrar a correlação de forças da luta de classes em favor dos capitalistas, qual seja, a de que muitos deles são também políticos e se posicionam invariavelmente ao lado dos opressores e contra o povo. Vejamos o exemplo das recentes reformas da previdência e trabalhista, e que os partidos cristãos e a bancada evangélica votaram em peso assaltando a classe trabalhadora.

Por isso, cabe aos socialistas, junto com os trabalhadores já conscientizados, ajudar o conjunto da classe trabalhadora a superar as explicações míticas e libertarem-se mutuamente para uma vida em sociedade sem classes e sem opressões. Libertação essa que deve se dar no campo da luta de classes, atacando as bases materiais que proporcionaram o surgimento das religiões. Por isso, não devemos perder tempo atacando a fé das pessoas, mas construir espaços que possibilitem a classe trabalhadora, em especial, livrar-se da opressão capitalista e, por conseguinte da opressão ideológica burguesa.


[1] Texto coletivo do Grupo de Estudos Marxistas Fronteira Vermelha.

[2] Elaborado para servir de diretriz na apresentação do programa Fronteira Vermelha, no canal Pelamanha/Allamattina, no Facebook e no Youtube, que pode ser assistido em: https://www.youtube.com/watch?v=OPj1sLWQQaM&t=871s

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