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Movimentos evangélicos, classe trabalhadora e política (PARTE I)

“Seria estreiteza burguesa esquecer que o jugo da religião sobre a humanidade é apenas produto e reflexo do jugo econômico que existe dentro da sociedade. Não é com nenhum livro e nem com nenhuma propaganda que pode-se esclarecer o proletariado se não esclarecer a sua própria luta contra as forças obscuras do capitalismo” (Lênin, 1905)

Desde o fim da União Soviética, com a vitória contrarrevolucionária, vivemos um avanço avassalador do conjunto ideológico burguês sobre o planeta. Esse avanço verificado nas relações sociais de produção impacta de forma concreta todos os segmentos da sociedade e, por isso, na forma de sociabilidade, nos costumes, nas artes, nas relações sociais, nas formas de consumo e na vida espiritual.

Essa época de dominação burguesa apresenta imensas dificuldades e, até mesmo, sentimento de impotência das classes subalternizadas para lutarem contra seus exploradores e contra as condições de miserabilidade em que foram lançadas. O vazio explicativo concreto condiciona a classe operária a acreditar no mundo não material como alento para os dramas reais, como subterfúgio e mesmo como esperança para o pós mortem. Não é à toa que no Brasil, onde há um dos maiores índices de concentração de renda e desigualdade social do mundo, é também onde existem as maiores igrejas evangélicas. Em cada bairro existem dezenas delas, às vezes, uma ao lado da outra.

Para o capitalismo, a conformidade pregada por sacerdotes é benéfica, uma vez que as classes exploradas veem sua condição de miséria material como desejo divino, portanto, não é legítimo lutar no plano terreno por essa mudança. Nesse sentido, muitas igrejas se aproveitam desse fato para venderem a esperança de uma vida melhor. A pequena burguesia, vive o eterno pavor de ser rebaixada a condição de proletária, que ela abomina e, por isso, se apega a fé, se locupleta da ideologia religiosa para se aproximar cada vez mais do andar de cima da pirâmide social capitalista e afastar-se dos debaixo.

Para a classe exploradora - a burguesia - a religião justifica a sua condição. Se a sociedade existente é produto do querer divino e não das relações sociais de produção, não há culpabilidade por ser rico em meio a um exército de esfarrapados, explorados.

Max Weber propôs, em 1905, que a ética protestante, baseada no puritanismo calvinista, na abstenção de desvios mundanos, no foco do trabalho, como fonte salvação foram responsáveis pelo desenvolvimento do Capitalismo. É uma visão não materialista daquele processo. Do ponto de vista materialista, seria correto dizer que o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas propiciou o aparecimento, a nível da super-estrutura ideológica, de uma religião que correspondesse aos anseios da classe dominante que surgia, a burguesia.

Pastores, fiéis e política

Estima-se que o número de evangélicos no Brasil seja de 70 milhões. Esse número vem crescendo paulatinamente. Em 1992, eles seriam em torno de 35 milhões, dos quais 25 milhões eram pentecostais. Esse contingente todo logo chamou a atenção de líderes políticos, possivelmente inspirados em experiências históricas internacionais mais ou menos exitosas do cooptação política e de alianças com religiosos.

Em 1989, no contexto da reabertura política, após 21 anos de ditadura, ocorreu a primeira eleição para presidente. Esse ano marca igualmente a entrada de cabeça dos cristãos evangélicos no protagonismo político. Se durante a ditadura, as igrejas evangélicas deram apoio tácito ao regime, sem, no entanto, aparecer, após o seu termo, era chegada a hora de entrar em cena. Quando da constituinte, em 1986, os deputados constituintes evangélicos eram trinta e três, aumento de mais de 100% em relação à eleição anterior, quando eram catorze.

Os pentecostais passaram de dois para dezoito, crescimento de 700%. Entre eles, Benedita da Silva, mulher, negra, da periferia do Rio e quadro importante do PT. Esse salto de quantidade não demoraria a se converter em salto de qualidade, com a adesão crescente de políticos já experientes às fileiras evangélicas e, em seguida, com a fundação de partidos próprios das igrejas.

Nas eleições presidenciais de 1989, os líderes evangélicos pretendiam lançar candidatura própria à presidência, pelo PMDB, o evangélico Ìris Rezende, então Ministro da agricultura de José Sarney, mas foi derrotado por Ulysses Guimarães, presidente do partido. Os evangélicos, no entanto, não estavam fora da disputa presidencial. É nesse momento que entra em cena uma rearticulação político-evangélica para alavancar a figura de Collor de Mello. Não só ele, praticamente todos os candidatos, salvo engano, exceto o Lula eram figuras carimbadas em cultos evangélicos. Inclusive Brizola, que, uma década mais tarde, faria duras críticas a presença de pastores evangélicos no governo Garotinho/Benedita. O próprio Brizola, quando de seu primeiro governo, tinha laços estreitos com setores evangélicos, inclusive pentecostais.

A Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, hoje dono da maior igreja evangélica do Brasil com filiais em diversos países e da rede Record de televisão, foi ao que parece, a mais incisiva na campanha de Collor. Já no primeiro turno, Macedo revelou: “Após orar e pedir a Deus que indicasse uma pessoa, o Espírito Santo nos convenceu de que Fernando Collor de Mello era o escolhido”. Não deu outra. A premonição estava correta.

A participação política do dono da Universal não se restringiu ao apoio público, com declarações favoráveis. Os cultos passaram a ser locus da campanha. À beira do primeiro turno, o TRE do Rio encontrou em duas igrejas da Universal, duas toneladas de material da candidatura de Collor e uma gráfica clandestina.

Outra coisa, Collor teve acesso liberado em toda a cadeia de rádios da Universal, falando para milhares de fiéis, de trabalhadores e da pequena burguesia com grande frequência. E, nas eleições, o bispo deslocou grande contingente de fiéis e pastores para fazer boca de urna. Outras igrejas, como a casa da benção de Brasília, apoiaram abertamente Fernando Collor.


Religiosos fundamentalistas se utilizam do Estado para concretizarem seu projeto de poder.
"O Estado é laico mas não é ateu" Silas Malafaia

Ao que parece, o esforço de Macedo e da Universal não foi reconhecido por Collor que negou uma oração no dia da posse. Por ironia do destino, em 1992, ao ser preso, acusado de charlatanismo, estelionato e curandeirismo, Edir Macedo foi defendido publicamente por Lula, numa primeira investida do petista sobre os evangélicos.

Ainda sobre o primeiro turno das eleições de 1989, o apoio das igrejas foi diluído em torno das diversas candidaturas. Havia, no entanto, uma tendência entre as igrejas, a indicação de não se votar em partidos candidatos “extremistas” ou em partidos de esquerda: “Lula (PT), Roberto Freire (PCB), Mário Covas (PSDB) e Brizola (PDT)” A Igreja Quadrangular, através de seu presidente Eduardo Ezdrogevsc chegou a emitir carta aos pastores com esse tipo de orientação.

Já no segundo turno, o jogo pesou de vez em favor de Collor. A polarização Esquerda X Direita representada nas candidaturas de Lula e Collor, favoreceu ao apoio desse setor conservador, historicamente anticomunista, mesmo que numa ótica distorcida, a Fernando Collor.

Já o Lula receberia apoio de setores do protestantismo histórico, como os luteranos e os presbiterianos, já sem tanta força e capilaridade na classe trabalhadora. No segundo turno, a presença religiosa na campanha de Lula foi maior, na tentativa de disputar esse espaço com o adversário, que surfava livre nesse mar. Lula teria recebido apoio inclusive do pastor Silas Malafaia, que saiu em defesa do candidato do PT contra acusações de ser ele marxista e de querer acabar com as igrejas. Ou seja já haviam as Fake News naquela época.

Não é possível dizer se, naquele momento, o apoio de líderes religiosos à Collor foi decisivo ou não para a eleição dele. O que dá para dizer é que de lá para cá, houve a participação dos evangélicos em todos os governos eleitos ou não, com maior ou menor incidência. O próprio PT aprendeu. Em seus governos, em especial no da Dilma, que, inclusive, compareceu na inauguração do Templo de Salomão, da Universal, o PT fez muitos acenos para os evangélicos, inclusive distribuindo cargos para indicados da bancada. Relação essa que nunca foi de amor, quer dizer, não havia afinação ideológica, assim como não houvera com outros presidentes e, por isso, os evangélicos continuaram perseguindo o ideal maior nesse ponto: eleger um candidato próprio ou alguém com completa afinação, o que ocorreu somente com Bolsonaro, falquejado para isso.

A questão mais sensível na relação do PT com os evangélicos foi a dos financiamentos de Igrejas evangélicas que pretensamente atendiam dependentes químicos. O governo repassava dinheiro público para as igrejas fazerem assistência e tratamento, ao invés de fortalecer o sistema público de saúde. Essa era uma das formas de ter o apoio da bancada da bíblia, no congresso.

Aliança de interesses

O esforço do PT em fazer aproximação com os evangélicos não avançou mais do que alianças para formar maioria no parlamento e votar pautas muitas vezes contra a classe trabalhadora ou reformistas. Já em 2010, quando da primeira eleição de Dilma Roussef – ex presa política pela ditadura militar, associada ao comunismo – o Brasil vivia a retomada do debate moral no seio da política. Um dos argumentos utilizados pelos líderes religiosos para o seu envolvimento com a política é de que o evangelho está ameaçado de acabar – o comunismo quer tirar a sua fé – por isso, precisam de representantes que barrem tal ameaça!

Por longo tempo, para os evangélicos, seu papel de coadjuvantes na política bastava. Cargos aqui, cargos ali, mas, com crescimento do poder das igrejas evangélicas, houve reorientação dessa política.

A estratégia das maiores igrejas evangélicas do país, que antes era apenas de eleger alguns de seus membros, em especial, os líderes, pastores, donos das placas (como se diz) para cargos eletivos, passou a ser mais ambiciosa. Elas começaram a fundar partidos próprios. Com isso, além de elas poderem exigir dos seus fiéis que votem em determinados partidos, que pertencem a suas denominações e, portanto, farão coisas boas por aquela causa; as igrejas passaram a poder usufruir de generosa fatia do fundo eleitoral e, com isso, retroalimentar o projeto de hegemonia política através das igrejas/partidos.

No documentário “Púlpito e Parlamento” fica bastante clara essa ideia da utilização política partidária das igrejas para conduzirem suas pautas. A igreja Assembleia de Deus fundou, em 2013, o Partido Republicano Cristão – PRC. Já em 2015, no auge da crise política pós reeleição de Dilma Roussef, o partido tinha 28 deputados federais.

É importante pensar o papel dos fiéis nessas igrejas/partidos. No Partido da Assembleia, por exemplo, as decisões não são tomadas pelo conjunto de participantes da igreja, mas por uma cúpula, pela sua diretoria. Segundo o pastor Lélis Marinhos do Conselho Político das Assembleias de Deus “a maioria dos membros da igreja não acompanham a vida política do país e, por isso, não saberia opinar”. (Púlpito e Parlamento)

Os fiéis, grosso modo, tiveram inicialmente dupla função nas eleições de religiosos para cargos eletivos. A principal era de financiar direta e indiretamente com o dízimo as candidaturas. Em segundo lugar, são cabos eleitorais que trabalham gratuitamente, em regime de servidão (não ao candidato, mas a Deus). Os pastores, por sua vez, quando não são eles os próprios candidatos, utilizam os cultos, as mensagens, os capítulos e versículos da bíblia, meticulosamente escolhidos para convencer os fiéis de que eles precisam escolher crentes para defender os interesses da igreja na política.

Isso ocorre de forma subliminar, com mensagens nas entrelinhas, que calam no inconsciente dos fiéis e, em épocas de acirradas disputas, abertamente. Os candidatos, pertencentes aquela igreja ou não, aproveitam-se do espaço oferecido pelas lideranças religiosas. Espaços esses mesmo em épocas de eleições. A legislação brasileira não proíbe candidatos de frequentarem nem, tampouco de falaram às multidões, expondo suas imagens ao apreço do rebanho.

No congresso, a bancada da bíblia tem uma pauta direcionada aos setores mais conservadores da sociedade, no relativo aos costumes:

  • contrariedade ao casamento gay;

  • Contra o aborto, mesmo em casos de estupro;

  • Contra a legalização das drogas;

  • “Defesa da família tradicional”

  • Em geral, apoiam a redução da maioridade penal;

  • Contra o que chamam de ideologia de gênero;

  • A favor do “Escola sem partido”;

  • Contra o comunismo.

Sem contar que no seio religioso, em especial entre os fundamentalistas, a descrença na Ciência é gigante, induzida por discursos anti-ciências, como a de que a Terra é plana, as vacinas não funcionam ou que o Nazismo era uma ideologia de esquerda.

E, nos últimos anos, tem apoiado pautas antidemocráticas, como os pedidos de intervenção militar. É uma miscelânia ideológica conservadora, fundamentalista religiosa, que vê nas liberdades individuais, uma afronta aos seus interesses. Já no campo da economia são, em geral, ultraliberais, privatistas, entreguistas, defensores do Estado mínimo para a classe trabalhadora e máxima para os capitalistas. Votam, em sua grande maioria para retirar direitos trabalhistas, previdenciários. Atacam os serviços e os servidores públicos.

Isso, no campo ideológico, conservador, que funciona como uma prestação de constas aos seus seguidores, conservadores natos ou conservadorizados pela proposta fundamentalista. No campo material, a bancada da bíblia pressiona e pressionou todos os mandatários que passaram pelo Planalto, desde a redemocratização, para a obter isenções nos lucros obtidos com os dízimos e ofertas (essas, na maioria das vezes, obrigatórias). Não à toa, centenas de pastores enriqueceram às custas do povo trabalhador.

A atuação dos partidos das igrejas e das igrejas dos partidos no cenário político é, em última análise, para a manutenção do status quo vigente. Realidade essa de exploração da classe trabalhadora.

Por isso, devemos gritar bem alto: NÃO À EXPLORAÇÃO DA FÉ. A religião deve ser questão privada, em relação ao Estado. As igrejas devem ser taxadas em seus lucros. E, sobretudo, a juventude trabalhadora deve ter escolas em que eles se apropriem dos conhecimentos elaborados pelas ciências e não a conteúdos anticientíficos e fundamentalistas.


[1] Texto coletivo do Grupo de Estudos Marxistas Fronteira Vermelha. [2] Elaborado para servir de diretriz na apresentação do programa Fronteira Vermelha, no canal Pelamanha/Allamattina, no Facebook e no Youtube, que pode ser assistido em: https://www.youtube.com/watch?v=OPj1sLWQQaM&t=871s


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