O “Manifesto Fórum 21”, de intelectuais, publicado, em 30 de setembro pela Carta Maior, abordou sobretudo a proposta de unificação da oposição nas eleições municipais. Os autores defendem uma “frente de esquerda eleitoral” para evitar derrota acachapante nas eleições, e, segundo eles, um maior autoritarismo do Estado. “[…] uma nova derrota, mesmo que menor que a de 2016, poderá ser devastadora.” [1]Os autores não responderam a uma questão central: com as eleições condicionadas pelo golpismo, como o movimento social reverterá o avanço e consolidação do golpe de 2016?
A tendência geral é a consolidação do golpe com as eleições. Explicamos. O governo Bolsonaro é sustentado por toda a classe dominante brasileira e o imperialismo e não apenas por forças “bolsonaristas”. O golpismo e a direita controlam as instituições de poder, incluindo as eleitorais. Após assaltarem o Estado, em 2016, prender o principal candidato presidencial da oposição e fraudar as eleições em 2018, não permitirão que a oposição avance em novembro, alavancando-se para a disputa presidencial em 2022.
Tudo aponta, portanto, para o fortalecimento da direita e o retrocesso da oposição e da esquerda nas eleições próximas. E foi a própria “estratégia eleitoral”, como meio de oposição ao golpe de 2016, que levou a oposição à situação atual. Como o próprio “Manifesto Fórum 21” reconhece, apesar de oferecer como solução a mesma receita. A negação da luta de classes e a ausência do combate duro e direto aos golpistas são as responsáveis pelo desprestígio dos candidatos da oposição.
Fiquem em Casa
Em geral, nos últimos meses, a esquerda, a oposição e a intelectualidade progressista defenderam o “Fique em casa”, despreocupadas em construir política combatendo a epidemia, para as classes populares. Isso, enquanto o bolsonarismo, a direita, o golpismo e o imperialismo golpeavam a população, arrasando a economia e privatizando empresas públicas. Desde 2016, a oposição hegemônica desvia das ruas para o Parlamento e para as eleições o combate ao Golpe. O resultado foi, em 2018, a vitória do bolsonarismo. Agora, propõe outra vez as eleições para combater o golpismo.
Alguns apoiadores do “Manifesto Fórum 21” empolgaram-se recentemente com a proposta da “Frente Ampla”. Ela, sob o argumento de combater o governo Bolsonaro, em associação com os “direitistas anti-fascistas”, propunha anistiar os atos golpistas passados. “[…] as forças de esquerda – mas também democratas antifascistas – estão desafiadas a dar uma resposta de audácia política que reordene a disputa pelo poder”, através da “construção de um novo protagonismo coletivo”.
A proposta de “Frente Ampla” e a invenção de direitistas anti-golpistas surgiram quando manifestações semi-espontâneas começaram a expulsar os grupelhos de extrema-direta das ruas. A proposta de luta no campo e na cidade contra o golpismo e o imperialismo foi neutralizada com o apoio das iniciativas da “Frente Ampla”. Elas ajudaram a estabilizar o governo golpista quando submergia na crise. Tudo seria resolvido com as eleições de 2020 e de 2022.
De noite todos os gatos são pardos
O “Manifesto Fórum 21” parte do princípio incorreto de que o conjunto da oposição luta pelos mesmos objetivos. No Brasil e no mundo, a oposição às classes dominantes possui dois polos extremos e opostos, com múltiplas mediações intermediárias. O primeiro polo, minoritário, expressa as classes trabalhadoras, assalariadas, classistas e revolucionárias. O segundo, hegemônico, é pequeno burguês, socialdemocrata, quando não social-liberal. As visões de mundo divergentes dos dois polos são expressões político-ideológicas de classes e facções de classes com objetivos, propostas e programas divergentes e mesmo contraditórios.
No Brasil, as expressões políticas minoritárias do mundo do trabalho, com todas as dificuldades impostas não apenas pelo capital, procuram avançar programa de luta contra o governo Bolsonaro, o golpismo, o imperialismo, na perspectiva da reconquista e da expansão, no aqui e no agora, do que foi perdido pelos trabalhadores, pela população e pela nação. Sem perder jamais como objetivo estratégico a transformação estrutural do país.
O polo oposicionista, socialdemocrata e social-liberal, predominante no Brasil e no mundo, sonha com um capitalismo mais humanizado, com um retorno impossível ao passado, em que as condições de existência das classes médias eram melhores e a exploração dos trabalhadores, menor. Seu grande objetivo são as eleições e a ocupação de cargos. Porém, mesmo ela se divide nas práticas e nas propostas. Há facções que defendem luta democrática e recuperação do perdido, através das eleições. Outras, acomodam-se ao golpe, combatendo apenas seus malefícios marginais. Negam-se a utilizar as eleições para exigir a reversão das perversidades golpistas. Não exigem o fim e a punição da Operação Lava-Jato e a anulação plena das suas condenações políticas.
Por uma Frente de Esquerda para avançar
É positiva a proposta de Frente de Esquerda eleitoral, desde que seja para avançar e não desorganizar a luta. Ela deve reunir os mais amplos setores sociais e políticos, em torno de um programa mínimo de combate ao bolsonarismo, ao golpismo, ao imperialismo. Programa que proponha, necessariamente, o “Fora Bolsonaro e Mourão”, eleitos em forma fraudulenta; a volta dos generais aos quartéis; o respeito à independência nacional; eleições gerais e livres imediatas. Através do Brasil, nas ruas, praças, fábricas, no mundo rural e urbano, a Frente de Esquerda deve exigir a revogação imediata e total dos ataques golpistas à legislação trabalhista, previdenciária, administrativa e das privatizações de empresas públicas, com o retorno dos despedidos. Assim como um substancial aumento imediato do salário-mínimo e da ajuda aos desempregados tornada permanente.
O “Manifesto Fórum 21” obvia tudo isso. Não fala do combate ao bolsonarismo, ao golpe e ao imperialismo. Propõe “reforma tributária”, “tributação progressiva”, “renda básica”, “Mais Médicos”, SUS, transporte público,“educação básica”, moradia popular. Quer retorno seguro às aulas, despoluição, defesa das minorias, Orçamento Participativo etc. O proposto tradicionalmente nas últimas décadas nas eleições municipais. Nada que assuste os “democratas anti-fascistas” e os golpistas.
Repúblicas Municipais
O “Manifesto Fórum 21” difunde e faz que acredita na quimera de um mundo onde os municípios, em geral falidos, vivem e são governados independentes dos governos estaduais e, sobretudo, federal e do grande capital. Travestido de “Frente de Esquerda”, ele constitui apenas detalhamento do programa eleitoral da “Frente Ampla”, seu inverso. Desencaminha os amplos setores populares que propõem e exigem uma aliança das esquerdas para a luta.
A grosso modo, há duas propostas na mesa, com múltiplas variações. Uma defende que as eleições devem se transformar em instrumento de agitação e organização de movimento popular, democrático, unitário e nacional contra o bolsonarismo, o golpismo, os generais, o imperialismo. Movimento galvanizado e organizado em torno das mais sentidas pautas políticas, sociais e econômicas das classes trabalhadoras, assalariadas, populares e da própria nação. A outra prossegue o movimento de adaptação ao golpe, participando das eleições municipais conforme o script golpista. Segue propondo que a população golpeada permaneça em casa e participe como ovelhinha nas eleições-farsas de novembro. Espera eleger o maior número de vereadores e prefeitos, que para nada servirão, como os atuais, e sobre os quais, no frigir dos ovos, sequer tem certeza da fidelidade ao programa rastejante que defendem.
De concreto, o “Manifesto Fórum 21” objetiva pressionar os candidatos da oposição, com menos expectativas de votos, a renunciarem em favor dos mais favorecidos. O resultado será o fortalecimento do cacife político-eleitoral dos últimos, ainda que, no geral, sem condições reais de vitória. “Os prazos da Lei Eleitoral se esgotaram e não há mais a possibilidade de criação de alianças políticas oficiais. Porém, nada impede que candidatos e candidatas com registro renunciem às suas candidaturas em benefício de uma frente de esquerda.” Um mero movimento político-partidário, no contexto da disputa das forças que dominarão o movimento de acomodação ao golpe.
Acreano Meneghello – físico, professor da rede pública RS
Clóvis Pfaltzgraff, historiador, trabalhador autônomo
Emerson Lopes Brotto - Advogado - RS
Euzébio Assumpção - dirigente do movimento negro, historiador, professor da Rede Pública do RS
Florence Carboni - linguista, aposentada - Genova, Itália
Joana Marisa Boaventura, professora da rede pública, RS
João Evangelista - Corrente Comunista Revolucionária - SP
Luciano Pimentel – historiador, professor rede pública, RS
Mário Maestri - historiador, aposentado, Gênova, Itália
Osmar Medeiro Souza - filósofo, produtor rural - RS
Paulo Amaro Ferreira – historiador, professor rede pública, RS
Wellington Silva - historiador, professor da rede pública, SP
Wagner Cardoso Jardim – historiador, professor da rede pública, RS
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