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Sindicatos: atravessando o Rubicão

Luciano Pimentel[1]


Dizia Trotsky que a melhor forma de acabar com o sindicato era colocar lá um sindicalista profissional. O revolucionário russo não estava errado. Os sindicatos, hoje em dia, no Brasil, são apenas um lampejo do que já foram no passado. Instituições criadas na Inglaterra do século XIX, surgiram para defender os operários que eram explorados exaustivamente nas fábricas inglesas, promoveram lutas e avançaram nos direitos.

Apesar de associações de auxílio mútuo terem surgidos ainda durante a escravidão, como a Sociedade Beneficente Liga Operária, fundada em 1871, que propositadamente denominava-se de operária, o sindicalismo no Brasil ganhou força no início do século XX. Foi quando começaram a surgir os primeiros sindicatos dos trabalhadores do porto, como a União dos Estivadores, ou a Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiches de Café, no Rio de Janeiro, continuidades em relação ao período da escravidão ainda visíveis.

O sindicato dos trabalhadores em trapiches (os armazéns da época) de café, por exemplo, fundado em 1905, possuía um quadro social quase exclusivamente composto por trabalhadores negros e seus primeiros presidentes foram todos negros.

O movimento de classe trabalhadora urbana, na Primeira República, foi limitado e só excepcionalmente alcançou êxitos. O motivo para isso era a reduzida industrialização e por consequência o número de operários. As greves somente tinham êxito quando eram gerais ou quando atingiam setores agroexportadores, como ferrovias e os portos.

Num cenário onde os trabalhadores se dividiam por razões étnicas, ser sindicalizado significa também entrar nas chamadas “listas negras” dos patrões, que visavam intimidar trabalhadores e incentivá-los a se afastar de qualquer luta política.

Já nas décadas de 1930, o sindicalismo conheceu crescimento importante de suas lutas e de suas entidades. A ideia da necessidade de superação do atraso econômico e social brasileiro pelo desenvolvimento industrial, o autoritarismo com sua crítica feroz às instituições democráticas de relacionamento político (como os partidos, a independência entre os poderes e as eleições), são algumas das heranças que o governo Vargas, em 15 anos, deixou para a história brasileira.

A partir da ‘revolução’, Vargas procurou aproximar os trabalhadores ao Estado, principalmente com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio – MTIC, em 1934. Caberia ao ministério difundir o novo modelo do sindicalismo oficial, com limitada liberdade e tutelado ao Estado. Era a representação do governo no meio operário. Afinal, o próprio Getúlio já explicitava o caráter desse sindicalismo, que deveria ser o de conciliação de classes.

Com uma legislação que atendia parte dos anseios da classe trabalhadora, direito a jornada de trabalho, férias, financiamento dos sindicatos com o Imposto Sindical, compulsório, imposto autoritário e sem a decisão dos associados, em troca o governo avançava no controle das entidades sindicais. Distribuição de bolsas de estudo via sindicatos, eram formas de cooptar trabalhador e dirigente.

No período compreendido entre 1945 até o golpe de 1964, ocorreram diversas fases de mobilização sindical crescente. Os limites legais ao direito de greve foram rompidos pela força dos trabalhadores organizados, no entanto a estrutura sindical permaneceu a mesma, sem nenhuma alteração.

No golpe civil-militar, de 1964, o sindicalismo encolheu, dirigentes foram presos, torturados, assassinados ou expulsos do Brasil. As direções combativas foram desalojadas dos sindicatos e no lugar veio um dirigente do governo, instalado para frear as lutas das entidades. Os sindicatos viraram uma espécie de representação governamental, ao mesmo tempo que tentava dar um caráter de normalidade democrática, impedia qualquer mobilização da classe trabalhadora.

A partir do final dos anos 1970, com o enfrentamento dos trabalhadores aos patrões e ao governo, com greves históricas como a greve do ABC, dos metalúrgicos, e a greve dos bancários, os trabalhadores procuravam refundar o sindicalismo de luta e fazer o combate contra a ditadura. Os antigos dirigentes amarelos, os popularmente conhecidos como pelegos, foram gradativamente sendo derrotados, gente que vivia do sindicato há quase três décadas.

Com essas lutas em permanente crescente, vitórias contra antigas e inoperantes direções, os trabalhadores começaram a sentirem-se confiantes, não só para criar um partido que representasse a classe trabalhadora, o Partido dos Trabalhadores, mas também uma central que aglutinasse os trabalhadores do país. Veio a Central Única dos Trabalhadores - CUT, ambos no início dos anos 1980.

O sindicalismo cutista e a burocracia sindical

Entre as várias siglas que surgiram desde 1983, a CUT foi aquela que conseguiu ter mais adesão progressiva dos sindicatos à sua proposta. Participaram do Congresso de 1983, que fundou a central, 912 entidades. Em 1991, 1.300 entidades encontravam-se filiadas e aptas a participar do 4º Concut. Com isso, ela arrebatou os maiores sindicatos, ou mais representativos ou as entidades que mais tinham tradição de luta sindical.

No entanto, a década de 1990 foi dura para os trabalhadores. A reestruturação produtiva, transformação radical do mundo do trabalho; a permanência dos elementos centrais da estrutura sindical corporativista, como a unicidade sindical (sindicato único), o poder normativo, manutenção dos impostos sindicais, sem participação dos trabalhadores, produziu uma nova classe dirigente, uma elite que gradativamente se afastava do trabalhador. Os novos velhos dirigentes que fundiam sindicato e partido numa única coisa, misturavam as finanças com sua carteira tinha nome: o burocrata sindical.

A cada eleição em que Lula saia derrotado, (1989, 1994 e 1998) crescia o sentimento de que ele deveria mudar a linha de intervenção, ampliando, assim, para um novo eleitorado, podendo fazer frente aos candidatos oficiais da burguesia nacional. Em 1989, Lula dizia que não pagaria a dívida externa; em 1994 bradava que se vencesse iria fazer uma auditoria na dívida; em 1998 era “queremos pagar, mas vamos negociar” e em 2002, ano da vitória, a dívida não era assunto do programa eleitoral, já era o tempo do “Lulinha paz e amor”. Escrevia a “Carta aos Brasileiros”, mas que foi entendido por todos como a Carta aos Banqueiros.

E a reboque disso tudo foi o sindicalismo, cada vez mais dependente da máquina pública eleitoral, com o pensamento de ‘quanto mais elegermos, mais representantes teremos nos parlamentos’. E os sindicatos passaram a se transformar em máquinas de produzir burocrata que utilizava a entidade como trampolim eleitoral. A cada vereador, ia junto sindicalistas como assessores, a cada deputado eleito, mais líderes sindicais abandonavam salários de empregados e se locupletavam em verbas de gabinete. Os dirigentes mais experimentados na luta embarcavam nessa nova empreitada. Os poucos que retornavam ao fim do mandato, não eram mais os mesmos.

A unicidade sindical acabou servindo para sustentar a estrutura sindical, o sindicalista não precisava atender suas bases, nem convencer nas assembleias o pagamento do imposto compulsório. Até então, comodamente, o governo se incumbia de manter o funcionamento do sindicalismo nacional.

Corruptos e servis agentes governamentais

O desenvolvimento semi-espontâneo das greves, determinantes de sacrifício e derrotas, ou que terminaram em nada, constituem uma etapa completamente inevitável da revolução, um período de despertar das massas, de sua mobilização e de sua entrada na luta. Entram em greve os operários, bancários, professores, motoristas. Os veteranos exercitam seus músculos, os novos aprendem. Através de greves, a classe começa a sentir-se classe.

No Brasil, o sindicalismo tornava-se cada vez mais cartorial, um escritório de atendimento e prestação de serviços. Muitas foram as entidades que compraram sedes campestres, lotes de terrenos nas praias, fundaram hotéis, formaram parcerias com empresas para descontos em compras, criaram cooperativas. Tudo com objetivo de substituir a discussão política pelo assistencialismo.

A tentativa de melhorar a situação material e cultural do trabalhador ficara nos documentários contemplativos, a derrota se avizinhando nunca serviu de incentivo para mobilização. Vieram as derrotas através das reformas que governos neoliberais fizeram, dobrando a espinha da classe, que já não tinha mais força. O trabalhador, desconfiado da capacidade de luta de seu sindicato, foi se afastando, se desfiliando. A narrativa do patrão de que sindicato não serve para nada vencia.

Os sindicatos se formaram no período de surgimento e auge do capitalismo. Fizeram duros embates, perderam a representatividade. O capitalismo segue rebaixando o nível de vida da classe trabalhadora. Nessas condições, os sindicatos podem, ou se transformar em organizações revolucionárias ou converter-se em auxiliares do capital na crescente exploração dos proletários. A burocracia sindical, que resolveu satisfatoriamente seu próprio problema social, tomou um segundo caminho: a conciliação de classes. A partir desse momento, a tarefa mais importante passou a ser a libertação dos trabalhadores da influência reacionária da burocracia sindical.

No entanto, nada é tão ruim que não possa piorar. Com a decepção com o PT, a classe trabalhadora acabou se desiludindo com a política, com os partidos, com as bandeiras, e estendeu essa sua insatisfação aos sindicatos, com um entendimento compreensível: via nas entidades parte daquilo que via nos políticos, o distanciamento e elitização. Vieram as reformas sindicais de Temer e Bolsonaro que, como um tsunami, rapou os vinténs dos cofres de todas as entidades classistas do Brasil. Mais do que isso, impediu o trabalhador de pagar, através de desconto direto do salário, a mensalidade sindical.

Ao mesmo tempo que esses governos atacaram a forma de financiamento dos sindicatos, não apresentaram nenhuma proposta alternativa de sustentação financeiras. Antes ricos, os sindicatos agora passam o chapéu “no chão da fábrica” pedindo esmola. Tentam, sem sucesso, emplacar lei que permita o desconto compulsório direto do bolso do empregado. Muitos estão fechando suas portas, atendendo no sistema de plantão, fechando sedes regionais, vendendo patrimônio. Os pelegos, não nos interessa salvar; nos preocupa os sindicatos que financiavam as lutas que agora não conseguem pagar a conta telefônica.

É permitido filiar ao sindicato, mas o trabalhador não confia mais. Mais do que isso, não acredita necessário ter sindicato. Triste destino, porque inevitavelmente ele vai precisar. E não terá sindicato. Será muito tarde para arrependimentos, de ambos os lados. Torna-se urgente a refundação do sindicalismo brasileiro.

[1] Sindicalista. Professor da rede pública estadual, no Rio Grande do Sul.

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