I. Eleições de 2020: A Oposição entre o Fracasso e o Sucesso
As eleições de novembro de 2020 concluíram-se com a vitória total do golpismo que não vive, paradoxalmente, seus ‘melhores momentos’. A grande conquista da nova ordem em institucionalização, impulsionada pelo grande capital e pelo imperialismo e sob a gerência eminente do alto comando das forças armadas brasileira, não foi certamente a vitória eleitoral dos partidos da direita tradicional, fenômeno previsível e esperado. Nem a indiscutível derrota eleitoral dos principais partidos da oposição, em número de votos, em vereadores e em prefeitos, com destaque para o PT e PCdoB.
A grande conquista do golpismo nas recentes eleições foi avançar e consolidar seu reconhecimento e institucionalização, por parte da grande população, de todas as orientações políticas. E isso, devido às diversas vertentes da “oposição colaboracionista”, de direita, centro e esquerda, terem enfrentado o pleito eleitoral como se fosse, multais mutandis, mais uma disputa, ao igual de que tantas outras, travadas com maior ou menor sucesso, desde o fim da Ditadura Militar (1964-1985). Como se vigesse plenamente a ordem democrático-burguesa e a Constituição, pisoteadas, desrespeitadas e reescritas desde o golpe de 2016.
A eleição teria ocorrido na total legalidade, fora as desvantagens tradicionais conhecidas pelos ditos partidos de esquerda, quando à grande mídia, aos recursos econômicos, à ação da Justiça Eleitoral, à intervenção dos governadores, prefeitos, etc. dos partidos conservadores tradicionais. As perdas e as conquistas de novembro passado foram devidas sobretudo à própria oposição. Todos os balanços eleitoras dos partidos oposicionistas, lambendo as feridas ou festejando vitórias parciais, auto-criticaram-se por não terem agido em forma diversa ou não terem aplicado a fundo as receitas vistas como vitoriosas, como veremos.
Durante todo a passada campanha eleitoral, praticamente não houve referência à situação de semi-ditadura institucional que vivemos, com o controle semi-discricionário geral do país pelos generais e pelas mais altas instituições oficiais e oficiosas do Estado — STF, TSE, Política Federal, Congresso, Senado. Para não falar da grande mídia. Na boca dos candidatos da oposição não se escutou as propostas de “Fora Bolsonaro”, “Fora Mourão”, “generais de volta aos quartéis”, devolução dos direitos sociais e trabalhistas pisoteados e arrasados. Manteve-se silêncio cúmplice sob o fato de que, mesmo os prefeitos e vereadores bem intencionados pouco ou nada podem fazer sob o atual controle governamental e institucional do grande capital. Sobretudo, não se falou que o ataque à população vai seguir e se aprofundar, sob a nova ordem e o governo golpistas.
Vovó com Dentes de Lobo
Em um viés claramente colaboracionista, a campanha eleitoral da oposição teve dois grandes eixos. Quanto à disputa dos cargos majoritários, ou seja, na campanha para prefeitos, foram apresentadas pautas moderadas e locais. Os candidatos oposicionistas foram apresentados como mais civilizados e melhor preparados para solucionar as questões que afligem as populações urbanas e sub-urbanas — saúde, escola, educação, transporte, segurança, etc. Como proposto, jamais se propôs que engessados pela ordem golpista federal e estadual vigente, é quase nulo o espaço de que os prefeitos dispõem para avançar iniciativas pontuais e marginais. A hecatombe sanitária e a inação federal foi praticamente ignorada. É como se ao enforcado se debatendo no ponta da corda, se propusesse um novo e elegante corte de cabelo.
As poucas campanhas majoritárias da oposição que mobilizaram muito relativamente a população das grandes capitais primaram pelo colaboracionismo bem comportado, com destaque para a de Guilherme Boulos, em São Paulo, e Manuela d´Ávila, em Porto Alegre. Porém, elas não conseguiram eletrizar a população, mantendo-se muito elevado o número de votos nulos, brancos e de abstenções. Em Porto Alegre, nos segundo turno, 354.692 (32,76%) eleitores abstiveram-se, votaram nulo ou branco, superando os eleitores de Manuela D´Avila. Em São Paulo, a rejeição eleitoral foi ainda maior, 40,6%, ultrapassando a votação do candidato eleito, Bruno Covas, 3.600.000 eleitores! E o Covid-19 apenas ajudou esses resultados. O desinteresse no pleito cresce de eleição em eleição. E vai seguir crescendo.
Nos debates paulistanos, primou, no primeiro turno, o “Boulos, paz e amor”, os compromissos com empresários, promessas de “responsabilidade fiscal” e “governamental” e, no segundo, Lula, Ciro, Marina e Flávio Dino pedindo votos no programa psolista. Santificou-se Luíza Erundina como vovozinha simpática, apesar de seu passado conservador: repressão aos trabalhadores municipais, quando prefeita de São Paulo; adesão ao governo Itamar Franco, pela qual foi expulsa do PT; chapa com Temer como vice, em 2004; coordenação da campanha dos golpistas Marina da Silva e Beto Albuquerque, em 2014. Manuela d´Avila não fez diferente, mostrando-se em tudo ´água com açúcar´. Ao ser derrotada, elogiou a “democracia” como “soberana” e desejou “sorte” ao opositor, que lançou mão de baixaria inacreditável, sob o beneplácito da Justiça Eleitoral golpista.
Coletivas e Identitárias
Nas candidaturas proporcionais, as grandes novidades do oposicionismo colaboracionista foram as “candidaturas coletivas” e sobretudo “identitárias”. As quase seiscentas “candidatura coletivas”, por acordo informal, sem sustentação legal, prometem que o vereador eleito compartilhará as decisão com seus parceiros virtuais de chapa. Ao menos nos partidos de esquerda, as decisões dos vereadores eleitos deveriam ser discutidas e decididas nos órgãos diretivos dos partidos e, se possível, nas bases partidárias organizadas, abolidas, há muito, quando existiram. Hoje, nos partidos oposicionistas, mandam os eleitos e os “capa pretas”. Na oposição colaboracionista e em pequenos partidos que se reivindicam do marxismo, imperaram as candidaturas identitárias, individuais ou coletivas, nas quais as principais qualidades dos candidatos eram serem negros, negras, mulheres, lésbicas, trans, etc. Opção que deixou olimpicamente de lado o antigo destaque a candidatos sindicalistas e oriundos das classes trabalhadoras, que sustentam o mundo nas costas. No PSOL, que usou e abusou do identitarismo, as normas regimentais determinando o financiamento das candidaturas privilegiavam acumulativamente os candidatos negros, mulheres, gays e por aí vai, sem referência alguma ao mundo do trabalho. Apesar de seus estatutos proibirem, esse partido passou a aceitar financiamento de grandes capitalistas, sem piar.
Apresentado como novidade revolucionária, o identitarismo e os direitos civis foram e são os viéses políticos constitutivos do novo Partido Democrático dos USA, desde que as administrações Bill Clinton abraçaram a globalização, a deslocalização industrial e a desindustrialização dos USA. Opções que feriram o operariado manufatureiro estadunidense, não apenas branco, já golpeado pela robotização da produção, eleitorado tradicional daquele partido, que se moveu em direção ao ultra-conservadorismo republicano.
Essa política derrotou Hillary Clinton em 2016 e consagrou Trump como principal líder direitista ianque, ao ser derrotado, em 2020, mas com o acréscimo de mais de dez milhões de votos em relação a 2016. E isso apesar da oposição da quase totalidade da grande mídia, dos intelectuais, de Walt Street e dos conglomerados internacionais. Um fenômeno que, mutatis mutandis, se repete no Brasil, onde o voto da pequena burguesia progressista se concentra nos grandes partidos de esquerda, migrando relativamente para o PSOL, enquanto o eleitorado popular, doutrinados por seus pastores, opta mais e mais por partidos populistas de direita e extrema-direita.
II. Colaboracionismo: Não foi derrapagem. Foi Continuidade
A campanha eleitoreira e colaboracionista não foi derrapagem. Ela expressou a metamorfose dos partidos oposicionistas nas duas últimas décadas, acelerada com o golpe de 2016. As razões desse fenômeno são antigas e complexas. Vivemos hoje sob “Era Contra-Revolucionária”, plenamente vitoriosa, em 1989-91, com a dissolução da URSS e das “Democracias Populares”. Aquele tsunami conservador promoveu reorganização neo-liberal mundial, dissolvendo e cooptando partidos, sindicatos, organizações, políticos, lideranças, sindicalistas, intelectuais, etc. de esquerda, marxistas, progressistas, e por aí vai.
Em 2002, o PT e aliados empreenderam gestão do Estado segundo os interesses do grande capital nacional e internacional. Na época, a metamorfose do PT de partido social-democrata em social-liberal já se consolidara. As administrações petistas seguiram impulsionando a internacionalização, desindustrialização, desnacionalização e banqueirização da economia. Apesar da excepcional conjuntura econômica mundial, as administrações sociais-liberais ensejaram grandes perdas e sequer uma conquista estrutural para as classe populares. Nem mesmo as quarenta horas de trabalho foram concedidas. A retórica consistente como um pastel de vento sobre o fim da pobreza e de negros, trabalhadores, índios, etc. elevados pelo petismo ao paraíso do consumo —universidade, aeroportos, veículos, moradias, etc.— serviu apenas para irritar classes médias que se sentiam abandonadas.
No contexto do refluxo econômico estrutural, após a grande crise mundial do capitalismo, em 2008, o imperialismo estadunidense, sob os governos Obama, na liderança do grande capital, promoveu o defenestramento dos governos terceirizados —sociais-liberais, populistas, etc.—, no Paraguai, em Honduras, no Equador, etc., em prol de administração estreitamente submetidas ao grande capital. Devido à sua importância, a nação e o Estado brasileiros foram objetivo de golpismo institucional, sob o comando ianque, que objetivava transformá-lo de país “semi-colonial” em país “neocolonial globalizados”.
O objetivo, vitorioso em 2016, hoje em implantação, era e é a transformação do Brasil em espécie de extensão do grande capital estadunidense, limitado exclusivamente à produção de energia, de grãos, de minérios e de mercadorias industrializadas de baixo capital agregado. A primeira grande ação golpista, antes mesmo de 2016, implementada pela Lava Jato, ponta de lança do golpismo, foi a destruição do pouco de capital monopólico que o país possuía, com destaque para as grandes empreiteiras e a Petrobras, sem qualquer oposição da própria burguesia brasileira.1
Os Democratas Começaram, os Republicanos Continuaram
O golpismo vitorioso, sob a direção do imperialismo estadunidense, já na administração Donald Trump, no Brasil, contou com a direção geral da alta oficialidade da ativa das forças armadas, das grandes instituições e órgãos públicos estatais, da grande mídia, da totalidade da burguesia industrial e rural brasileira, galvanizada pelo projeto de ditadura plena do capital e construção de escravidão assalariada, já instalada.
A segunda administração Dilma Rousseff, vitoriosa em 2014 devido à radicalização ao apagar das luzes da campanha, com destaque para a promessa de opor-se à privatizações e à destruição das conquistas sociais — “nem que a vaca tossisse”—, desde o dia seguinte de sua posse, tentou reconquistar a confiança do capital imperialista implementando duras medidas conservadoras e anti-populares. A presidenta, o PT e seus aliados, para além de denúncias retóricas, aceitaram sem resistir o golpe assentado pelo grande capital e o imperialismo, que tentavam seduzir. Se nos surram hoje, amanhã certamente vão nos recompensar!
O PT e seus aliados, assim como a CUT, jamais chamaram a população e os trabalhadores a se mobilizarem contra o golpe. Os trabalhadores não defenderam e não atacaram o governo petista em queda livre, que nada mais significava para eles. Sem qualquer direção classista que esclarecesse o sentido do drama que se vivia, não compreenderam que se tratava de golpe contra o Estado, contra a nação, contra as classes populares e trabalhadoras. O PSOL e o PCB facilitaram a ação golpista ao propor que se tratava, quando muito, de conflito entre facções golpistas. Semanas antes da deposição de Dilma Rousseff, Jones Manoel, o jovem Ipecebistas e neo-estalinista, afixava no Facebook que participaria ano ato de 31 de abril de 2016, sem entrar na “histeria de golpe”, mas contra, entre outras coisas, os “ataques da direita dentro e fora do governo”. Quanto ao PSTU e a grupos psolistas como a CST e o MES, faltou pouco para se juntarem às manifestações pelo impeachment.
Com o assalto à presidência, para a institucionalização da nova ordem, com o apoio da Câmara, do Senado, do STF, da mídia, etc., foram promovidas importantes modificações nas instituições das forças armadas e policiais; na legislação trabalhista, educacional, eleitoral, criminal, financeira, judicial etc. Para 2021, se promete um nova rodada de privatizações; a reforma tributária, etc. Essas iniciativas contaram e contam com o silêncio cúmplice e, não raro, com o apoio ativo dos parlamentares da oposição colaboracionista e, sobretudo, dos governadores ditos oposicionistas — PT, PCdoB, PSOL.
III. Colaboracionismo: O Golpe no pós-2016. A Rendição Oposicionista
Entronizado o governo Michel Temer (2016-2018), o golpismo passou a golpear duro a população, com medidas e propostas liberais extremas relacionadas sobretudo com a legislação trabalhista, a educação pública, a previdência, os gastos públicos. Recuperando a ação, após a ressaca da derrota, a população começou a afluir, em forma cada vez mais significativa e crescente, às ruas, em geral, sem direção. Mais e mais, se pedia o fim das medidas anti-populares e do próprio governo. Em 28 de abril de 2017, realizou-se com sucesso uma greve geral, que registrou o início do ingresso dos trabalhadores na luta. Parecia que a luta ia tomar força.
O PT e o PCdoB, agora na oposição, assim como PSOL e outras pequenas organizações que se reivindicam da esquerda e do marxismo, negaram-se a abraçar a palavra de ordem “Fora Temer”, “Fora generais”, mesmo quando o primeiro governo golpista, com Michel Temer à cabeça, se dissolvia como gelo ao sol. Fora pequenos grupos, como o PCO, as direções oposicionistas tudo faziam para retirar a população da rua. Da CUT, não se ouviu falar. A CS-Conlutas seguia paralisada discutindo ainda se havia tido um golpe. Os partidos oposicionistas assustavam-se com uma eventual repressão e endurecimento militar contra a população nas ruas exigindo o fim do golpismo. E, certamente, temiam ainda mais os trabalhadores lutando duramente nas avenidas, praças, fábricas, construindo direções classistas e combativas. Esforçavam-se para garantir espaço político institucional, mesmo faz-de-conta, sempre muito bem pagos. Procuravam defender as benesses da participação na gestão do Estado —salários, subsídios, assessores, múltiplas regalias, etc.—, mesmo desempenhando o papel do MDB de oposição consentida durante o golpe de 1964-1985. Ou seja, fazendo que sua a camiseta, em jogo já vendido, para os aplausos dos torcedores iludidos.
Todo mundo em casa
Em 26 de agosto de 2017, um balde de água fria foi lançado sobre o calor da mobilização popular crescente. Em Salinas, Minas Gerais, terra da boa cachaça, Lula da Silva mandou a militância sair das ruas e se preocupar com as eleições de 2018. Gritou, literalmente, “Fica Temer”! E o Temer, agradecido, ficou. Em 7 de abril de 2018, novamente, meses antes das eleições, Lula da Silva, com ordem de prisão expedida, entrincheirou-se no sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo, para onde começaram a afluir, em número crescente, os trabalhadores. Parecia que, desta vez, ia resistir. Para não negar sua natureza, entregou-se, dizendo acreditar na Justiça golpista.
A patuleia desenxabida ficou em casa e as eleições farsescas entronizaram, como inscrito estava nas estrelas, o segundo governo golpista, em 1° de janeiro de 2019. Mais tarde, em 8 de novembro, após quase quinhentos dias de prisão, em que jamais o PT e a CUT se mobilizaram para libertá-lo, o ex-sindicalista e ex-presidente foi libertado, devido à permissão dos senhores generais. Então, diante dos trabalhadores e populares reunidos, afirmou que o governo era legal e gritou “Fica Bolsonaro”, mandando, novamente, a população preocupar-se com as eleições de 2020. Desautorizava na boca do jarro o pequenino PCO, que lutara quase isolado, por sua liberdade e defendia o “impeachment” de Bolsonaro.
Recuemos um pouco no tempo. A campanha e o pleito de 2018 foram literalmente favas contadas. Haddad, mais tucano que petistas, realizou campanha presidencial comportadíssima, fazendo como se o golpe não existisse. Ele já afirmara, em 10 de agosto de 2016, que “Golpe é uma palavra um pouco dura, que lembra a ditadura militar”, para definir a deposição da presidenta. Para ele, não havia que exigir o fim do golpe, a recuperação do perdido. O único que importava era derrotar Bolsonaro, a grande surpresa do pleito, que chegava ao segundo turno. Para tal, cortejou-se despudoradamente, políticos golpistas, definidos como direitistas democráticos.
Favas Contadas
Como os milagres são do outro mundo, como era esperado e planejado, a farsa eleitoral resultou na eleição de Jair Bolsonaro e em maré de governadores, senadores, deputados federais e estaduais com o mesmo DNA torto. A mal chamada Justiça Eleitoral, os senhores generais, a grande imprensa, todos, empurraram o carro de som do golpismo. Após a apuração eletrônica, foram apontados, aqui e ali, resultados estranhíssimos. Era como se do além se ouvisse o tio Brizola dizendo: — Companheirada, o voto eletrônico fede como pelego velho bolorento!
No mundo, apenas no Brasil se pratica voto eletrônico sem possibilidade de controle físico. Ou seja, de voto em papel depositado em urna paralela, para confirmação aleatória de urnas. A segurança dos resultados ficam nas mãos da Justiça Eleitoral, das empresas responsáveis pelos programas, ao deus dará! Nos últimos anos, as reclamações tem sido múltiplas, sem continuidade. A Justiça Eleitoral é besta-fera temida —com razão— devido ao seu poder monocrático de reprovar apresentação de contas partidárias, impugnar candidaturas, de legislar sobre eleições. Sob o cabestro da oposição colaboracionista, vivemos servidão voluntária eleitoral. Eleito Bolsonaro, Haddad e Boulos, ajoelhados, reconheceram a legalidade da eleição em tudo ilegal. Empossado o Ogro, a chamada oposição, apontou histérica o perigo fascista na esquina. As ondas multitudinárias dos camisas-pretas bolsonarianos, que jamais foram vistas, dizimariam esquerdistas, homossexuais, negros, índios. Falou-se em exílio — dois espertos partiram para o exterior. Promoveram-se cursos, palestras, lives sobre o fascismo. Sobretudo, foi proposta a necessidade de Frente Anti-Fascista ou de Salvação Nacional, contra o bolso-fascismo. Não contra o golpe, para muitos, já superado pelas eleições legais de 2018.
Centro de Gravidade Político
A oposição colaboracionista encontrava seu centro de gravidade político, no qual se equilibraria e se equilibra agora com prazer. Uma grande frente patriótica, com todos os “golpistas democráticos”, os “generais racionais”, “os bolsonaristas arrependidos”. Uma frente inter-classista que não reivindicasse, é claro, a devolução do que fora perdido pela população, pelos trabalhadores, pela nação. O perdido, perdido estava, como ocorrera, quando dos governos petistas, com a destruição social e privatizações promovidas pelo governo FHC. Uma “Frente Patriótica”, “Democrática”, “Frente Ampla”, ou como se chamasse, que não propusesse, é claro, derrubar o governo legalmente eleito.
Uma Frente muito ampla que também não questionasse a política, o programa e as “reformas” do bloco hegemônico formado sob a direção do imperialismo e do grande capital. Portanto, nada de “Fora Bolsonaro”, nada de “abaixo o golpismo”, nada de “generais de volta aos quartéis”, nada de “eleições diretas”, nada de “devolução dos direitos e do que se perdera”, etc. A “Frente Ampla” era para defender de Bolsonaro a Constituição. Carta Magna que já virara um bordel, nas mãos do STF, do Congresso, dos senhores gerais.
A Frente Ampla oposicionista pluriclassista teria como objetivo central garantir as eleições de 2020, para a retomada de capitais, eleição de vereadores, e sobretudo, permitir a rearticulação da oposição, em direção a 2022. Ali, sim, se dará o golpe mortal ao bolsonarismo! A Frente Ampla exigia que a população ficasse em casa, para não afugentar os golpistas democráticos, e não assustar os militares, com manifestações de ruas. A salvação viria, repetia-se, com as eleições de 2020 e, sobretudo, de 2022. Ali sim, seria a glória! E a população ficou em casa, desacorçoada, enquanto o golpismo faceiro prosseguiu sua metamorfose da sociedade e das instituições e chupando até o tutano da população brasileira.
Uma Mão-na-Roda Sinistra
A pandemia chegou ao Brasil em fins de fevereiro de 2020. Ela foi, definitivamente, uma sinistra “mão na roda” para o colaboracionismo oposicionistas. Havia, agora, razões palpáveis e indiscutíveis para mandar a população sair da rua, e, os que podiam, se trancar em casa. A partir deste momento, o importante era “salvar vidas”. Mesmo se essa política, estabilizando o governo golpista e o golpe, fosse responsável por dezenas de milhares de mortes a breve, médio e longo prazo.
A ordem de se esconder em casa foi facilitada pelo negacionismo do governo Bolsonaro, seguindo as instruções do capital, de Donald Trump, do alto comando das forças armadas. As novas formas de luta oposicionistas seriam os conchavos políticos, os abaixo assinados, os panelaços, as lives, milhares e milhares de lives. Foi um escândalo, quando jovens mascarados de esquerda começaram a sair às ruas para escorraçar, sem maiores dificuldades, os grupelhos de bolsonaristas que saltitavam livremente diante das câmaras da tv. O importante era ficar em casa, salvar vidas, esperar as eleições de outubro de 2020.
Em 25 de março de 2020, a “Frente Ampla” perseguida foi delineada em manifesto exclusivamente anti-bolsonarista, assinado pelo PT, PSOL, PCdoB, PCB e Rede, apoiando os governadores, administradores, lideranças, etc. que propunham, dizia-se, medidas de resguardo contra o terrível vírus, ao contrário do Mensageiro da Morte. Dória e Witzel foram aplaudidos. A declaração defendia “ampla convergência contra a insensatez de Bolsonaro”. O problema não era o golpe e suas políticas, era o Analfabeto Funcional, sua expressão rastejante e conjuntural. Em 2 de abril, Lula trocou afagos com Dória, talvez prenunciando os fatos vindouros.
1° de Maio abraçado com o Capital
No 1º de Maio de 2020, comício virtual reuniu FHC, o “exterminador do futuro”; Rodrigo Maia; Marina Silva; Eduardo Leite, o “matador de professores do RS”, Lula da Silva, Dilma Rousseff, Gleisi Hoffmann, Fernando Haddad, Flávio Dino, Manuela D ́Avila. Boulos , emburrado, abandonou o bonde, na última parada, devido ao protesto geral pela confraternização com a direita golpista dita “democrática”. Sem qualquer repercussão, tratava-se de iniciativa “amansa bobo”, preparando a população para abraçar o colaboracionismo sem princípios. A “Frente Ampla” da vitória, em 2022!
Em 21 de maio de 2020, PT, PCdoB, PSOL, PCB, PCO, PSTU, UP e dezenas de organizações entregaram pedido faz-de-conta de “impeachment” de Jair Bolsonaro, sobre o qual Rodrigo Maia se sentou gostosamente, como fizera com os demais. O pedido subentendia a entronização presidencial do vice, o general Mourão, proposta verbalizada, no mês anterior, por Flávio Dino, do PC do B. Propunha-se a troca de um presidente golpista desequilibrado por um equilibrado, seguindo a eterna político do menor mal. O impeachment era proposta retórica, engana-bobo, já que não se propunha mobilização em seu apoio. O fundamente era prepara as Tudo eleições de 2020 e 2022.
Em 27 de maio, os signatários do pedido – o PSTU pulou fora –, em plenária virtual de mais de trezentos participantes, marcaram manifestação nacional… também virtual. Havia que ficar em casa, enquanto enorme parte dos trabalhadores continuava nas ruas indo. Para ou correndo atrás do trabalho. Dois dias antes, George Floyd, cidadão negro foi imobilizado até o sufocamento por policiais em Minneapolis, motivando fortes manifestações anti-racistas, nas ruas dos Estados Unidos. No Brasil, Curitiba, Manaus, etc. ocorreram manifestações de solidariedade. Parlamentares e direções oposicionistas pronunciaram-se pelo “fique em casa”. A oposição colaboracionista sufocou o ensaio de mobilização e batalha.
Estamos Juntos
Em 29 de maio, o manifesto “Estamos Juntos!” propunha a união supra-partidária da “esquerda, centro e direita”, “unidos” para “defender a lei, a ordem, a política” e tudo mais. Nada sobre os direitos perdido dos trabalhadores, da população e da nação e o fim do golpe e do governo golpista. Assinavam embolados FHC, Fernando Haddad, Boulos, Dino, Marcelo Freixo, entre tantos outros outros. Não assinaram Lula e Gleise. A cor do manifesto era o amarelo. Nada de vermelho, cor dos trabalhadores e do socialismo.
A crise aprofundou, Bolsonaro e o bolsonarismo perderam pé, incompatibilizados com o Congresso, o STF, o Centrão, Moro, com os mais poderosos governadores. Os generais no governo começaram a serrarem malvistos pela população. Rodrigo Maia, o Centrão e o Parlamento seguiam avançando o programa golpismo, sem Bolsonaro, o estranho Fuhrer, sem milícias, sem partido e sem conseguira formar um outro. Após exageros verbais e gestuais golpistas do Ogro, dos filhos e dos ministros mais próximos, os generais da ativa golpearam a mesa. Em 12 de junho, vetaram eventual “impeachment” presidencial pelo Congresso ou a cassação da chapa Bolsonaro-Morão pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Em clara negociação pela distensão, os senhores generais sinalizaram que manteriam o Chupa-Cabras e seus acólitos sob rédea curta. A seguir foram nomeados direitista palatáveis como ministros das Comunicações, da Educação e do STF. Os ogrinhos baixaram a voz, Damaris fechou a matraca, Sara Winter foi para a face escura da Lua e o guru astrólogo, abandonado, eclipsou-se sob o peso de dívidas judiciais pesadíssimas. Os ministros lunático- ideológicos Salles e Araújo ficaram como reserva para uma próxima reforma ministerial, mais do que possível agora, com a eleição do presidente da Câmara e o novo chefe em Washinton.
Direitos Já! Pra quem, índio?
Em 26 de junho, a oposição colaboracionista assinou o manifesto “Direitos Já!”, abraçando o acordão vestido sempre de amarelo, apoiado pela grande mídia golpista. Ele propunha a “defesa da democracia”, já aos pedaços, com os militares bordando e costurando, e desejos diáfanos de melhorias sociais. Fernando Haddad, Guilherme Boulos, Eduardo Suplicy, Fernanda Melchionna, Jandira Feghali, Marcelo Freixo, Manuela D’Avilla, Flavio Dino, Tarso Genro e por aí vai, concederam atestado de democracia à seleção de serviçais do grande capital.
Entre os novos “democratas” estavam FHC, Francisco Weffort, Raul Jungamm, a enricada Neca Setubal, Tasso Jereissati, Miro Teixeira, Reinaldo Azevedo, Roberto Freire, Eduardo Leite. Os eternos transformistas estavam todos ali, Ciro Gomes, Cristóvão Buarque, Fernando Gabeira, Heloísa Helena, Marina Silva, Marta Suplicy, Rodolfo Rodrigues, Tabata Amaral. José Sarney e Michel Temer recusaram o convite. Em 1° de julho, o ex-sindicalista, ex-presidente e ex-preso político Lula da Silva, quando de reunião do PT, gritou claro e alto que não subia naquele trio de endoidecidos.
Lula da Silva apontou que no manifesto “não se fala(va)”, jamais, dos “direitos perdidos” e dos interesses da “classe trabalhadora” e reclamou da anistia que se dava a grandes golpistas. Passou rasteira em Fernando Haddad, Flávio Dino e outros iguais e foi seguido por Gleise. Sua oposição não era de princípios. Devia-se a que o projeto de conciliação incondicional objetivava enterrar de vez o PT, liquidando o que sobra de sua história e simbolismo passados, e com ele, o próprio Lula da Silva. Em fins de outubro, Lula da Silva, mostrando que tem ´alma grande´ como todos os demais, encontrou-se com Ciro Gomes.
No Nirvana Eleitoral
As eleições de 2020 reafirmaram o programa e a ação do golpismo, como vimos. A direita, o golpe e a metamorfose da sociedade brasileira foram consolidados e naturalizados, com o apoio incondicional dos partidos colaboracionistas que, em troca, foram reconhecidos como oposição consentida, em processo muito semelhante ao MDB da ditadura militar aberta. No momento em que a oposição sofria mais um tropeço eleitoral incontestável, caminho da derrota foi consagrado como o único a ser trilhado. Por razão muito simples: pouco importa ganhar, o importante e manter o time em campo.
O colaboracionismo espera viver bem o presente e, se possível, marcar encontro, no horizonte distante, com um Colégio Eleitoral, um Tancredo Neves com melhor saúde, um José Sarney, que lhe devolvam o governo do país, mesmo com a sociedade, os trabalhadores e a nação virados tiras, para sempre. Para tal, impõe-se prosseguir o colaboracionismo, avançando a desmobilização da sociedade, através da proposta de construção da “Frente Ampla”, com as forças conservadoras. Todos contra Bolsonaro, a extrema-direita, ou o bicho papão da vez. O golpe, o golpismo, o que se perdeu, são coisas do passado. Errar é humano, perdoar os poderosos, divino e rentável!
O colaboracionismo foi apresentado e defendido no primeiro turno das eleições de novembro e consagrado no segundo, sem já qualquer pudor. Ele se materializou na orientação de voto do PT, PCdoB, PSOL, e indicação parcial do PCB, do PSTU, da UP, não apenas em propostas rebaixadas e colaboracionistas, como em São Paulo, Porto Alegre, Recife, etc. Mas, também e sobretudo, em representantes da direita tradicional, como no Rio de Janeiro e Fortaleza. Tudo para “combater o “inimigo maior” ou “pior”. As organizações que se reivindicam do marxismo travestiram o apoio a candidatos da burguesia raiz sob a retórica do anti-fascismo, do voto crítico, de voltar às ruas, mais tarde, para fazer que combatem o inimigo de classe que apoiaram.
Em direção de 2022, 2024, 2026…
Concluído o pleito, apeada de suas ilusões, a esquerda pequeno-burguesa colaboracionista passou a xingaram a população de ignorante, de alienada, de inconsequente, por não segui-la, mesmo quando desconhecia sua existência. E, imediatamente, iniciaram-se as discussões sobre as candidaturas e alianças para 2022. O senador petistas Jacques Wagner ofereceu-se como candidato e lançar Lula da Silva ao mar, certamente para facilitar a aliança com a direita mais tóxica. O respeitado Milton Temer, do PSOL, entrou em delírio e lançou Boulos como pré-candidato para 2022, por ser, segundo ele, garantia contra a “conciliação de classes”. Acredite quem quiser! Lembrou que são as eleições e não “ruptura insurrecional que vai levar a esquerda ao Poder”. Onde ocorreu isso, camarada Temer? Na esquerda marxista, o pequenino PCO lançou a candidatura de Lula da Silva, que já prometeu fazer eventualmente em 2022-26 o mesmo que fez em 2002-2010, em quase certa situação de crise da economia nacional e mundial! Ou seja, um governo dos horrores para a população trabalhadora e o país.
Nas suas vertentes tradicionais ou novas, de esquerda, centro e direita, o colaboracionismo alcançou domínio indiscutível da oposição. A população e os trabalhadores sairão às ruas, apenas se desesperados, contrariando a orientação geral da oposição colaboracionista. Isso não é impossível, sobretudo devido ao desastre imenso em que o mundo mergulha, com o destaque para o Brasil. Mas é o menos provável. Mobilizações internacionais de peso podem ter, igualmente, influência benéfica sobre o desastre político, social e ideológico brasileiro.
A tendência dominante é prevalecer a estratégia eleitoral, o cretinismo parlamentar, o oportunismo e colaboracionismo oposicionistas. As combinações e possibilidade eleitorais de 2022 são múltiplas. Não é impossível que um candidato da oposição, de claro caráter colaboracionista, chegue ao segundo turno, para ser inevitavelmente derrotado. Temos que ter confiança nas urnas eletrônicas, na Justiça Eleitoral, nos senhores generais. Não é impossível que um candidato de extrema direita, quem sabe Bolsonaro, se ele resistir até lá, chegue ao segundo turno, disputando com candidato burguês civilizado. Neste último caso, a oposição como um todo, como em novembro de 2020, votará no em um João Dória, um Ciro Gomes, um Hamilton Mourão e festejará como vitória um terceiro governo golpista, já plenamente institucionalizado. Mas, o que importa é que a oposição colaboracionista, nas suas versões de direita, centro e esquerda, terão elegido seus governadores, senadores, deputados federais e estaduais. E, entre eles, um número maior de mulheres, de negro, de gays, de lésbicas, de índios. E a população trabalhadora seguira habitando os níveis mais profundos do poço escuro, húmido e nojento em que foi lançado, sobretudo desde 2016.
Em Roma, quando não podiam rebelar-se ou fugir, os corajosos gladiadores diziam: —Ave Caesar, morituri te salutant! (Ave César, os que estão morrendo te saúdam). No Brasil, nossos políticos, que de rebelião e resistência não querem falar, e só pensam em sobreviver, saúdam a seu modo os poderosos, antes de iniciarem as lutas eleitorais: — Salve Grande Capital! Te pedimos respeitosamente para seguirmos lutando com essas feras empalhadas, entretendo a plebe ignara. Só queremos e pedimos os restos do teu banquete suculento.
Agradecemos a leitura da linguista italiana Florence Carboni.
Referências
(Cf. MAESTRI, M. Revolução e contra-revolução no Brasil. 1530-2019.https://clubedeautores.com.br/livro/revolucao-e-contra-revolucao-no-brasil)
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